2 de junho de 2019

MENA MANGAL

Desta vez escrevi sobre Mena Mangal 🌷
Do Meu Cantinho observo que o mundo continua a ver de forma muito indiferente estes crimes...



A morte de mais uma mulher activista no Afeganistão fez-me escrever este texto.
Infelizmente, sim, elas morrem todos os dias, activistas ou não, naquele país, no nosso, por todo o mundo, vitimas do pior, e mais enraizado, dos egoísmos que a humanidade tem vindo a alimentar: o machismo.
No princípio do séc. XX, os governantes daquele país tentaram promover uma maior liberdade para as mulheres, procurando que o controle patriarcal diminuísse e a educação crescesse.
Incentivaram a sua emancipação e até o uso de vestimentas ocidentais.
Em 1921, o rei Amanullah criou restrições sobre a poligamia, aboliu o casamento infantil e o casamento forçado.
A rainha Soraya, a única mulher a aparecer naquela lista de governantes, liderava o seu marido nessa luta, e foi mesmo considerada a primeira e mais poderosa ativista do mundo Muçulmano.
O protesto que levantou foi tão grande, que levou à queda do seu monarca.
No entanto, com o passar do tempo, as restrições voltavam…
O século XX avançava, e com ele também o controle dos homens sobre as mulheres.
Nos anos 70 surge um novo Partido Democrático que volta a tentar reformar as leis da saúde, da educação e do casamento das mulheres.
Embora as mais pobres continuassem à parte desses sonhos, alguns avanços foram conseguidos, e as mulheres conseguiram alcançar cargos médicos, de cientistas e de professoras.
Com a entrada de Hekmatyar para primeiro-ministro, em 1996, dá-se um grande passo para trás no Afeganistão.
Este homem já tinha lançado ácido à cara das mulheres, quando frequentava a Universidade de Cabul, pelo que era fácil adivinhar o que se seguiria com a sua entrada no governo do país.
Voltou o uso do ‘véu’, as mulheres que apareciam na televisão eram demitidas, e até a guerra civil serviu como desculpa para serem sequestradas e violentadas.


Esta nova força, que saiu vitoriosa de uma violenta guerra de quatro anos, ficou conhecida como Taliban.
De onde vinham? Eram aldeões pobres, que tinham crescido no Paquistão, e sem qualquer ideia de dividir a sociedade com os seus pares.
Logo que subiram ao poder foi decretado que as mulheres não podiam sair de casa sem alguém da sua família e do sexo masculino a acompanhá-las, e quando o faziam tinha de vestir a burca. Também não podiam trabalhar.
Foi a queda total da pouca conquista que se conseguira naquele país.
As mulheres que outrora tinham um posto de trabalho, foram despedidas, perderam todos os seus bens, e mendigavam pelas ruas. Vestiam a burca como se esse traje fosse a sua pena.
Quem, porém, não a podia comprar, ou não tinha família masculina, vivia enclausurada em casa, obrigada até a pintar as janelas para que ninguém as pudesse ‘espreitar’.
A ONU recusou-se a reconhecer o governo Taliban, e as sanções que lhes colocaram agravaram ainda mais a situação deste povo.


Como eram as mulheres a maioria dos professores, também o ensino das crianças ficou ameaçado e, com ele, a evolução de toda uma cultura e sociedade.
Talvez fosse essa a ideia…
Na área da saúde, as mulheres eram autorizadas a exercer, mas apenas porque os Talibans só deixavam que elas fossem tratadas por médicos do mesmo sexo. Mesmo assim, a maior parte das vezes, eram ignoradas quando chegavam feridas a um hospital.
Alguns comandantes dos Taliban e da Al-Qaeda criaram uma rede de tráfico, que vendia mulheres raptadas, para a escravidão e prostituição forçada, tanto no Afeganistão como no Paquistão.
Com a queda do regime Taliban, no princípio do séc. XXI, foram adoptadas políticas mais suaves sobre os direitos das mulheres, e a situação geral melhorou, particularmente nas grandes áreas urbanas, mas nas zonas rurais continuaram ainda muito primitivas.
E o mal não parece decrescer. Em 2012 a ONU mostrou um aumento na violência doméstica, naquele país, originada ainda pela cultura conservadora.
Os assassinatos das ativistas sucedem-se:
Sushmita Banerjee, uma escritora indiana que inspirou um filme em Hollywood, pelo seu livro onde conta a fuga ao regime Taliban, foi assassinada por esse desafio.
Em 2012, Malala Yousafzai, na altura com 15 anos, foi baleada na cabeça por talibãs no Paquistão, devido ao facto de falar sobre o direito das raparigas em receberem educação.
Farkhunda, de 27 anos, foi brutalmente assassinada por uma multididão, com paus e pedras, acusada falsamente de ter queimado uma cópia do Al Corão. Depois de espancada, foi ainda atropelada por um carro e o seu corpo incendiado.
E há poucos dias foi Mena Mangal, uma das jornalistas mais conhecidas do Afeganistão.
Ela defendia o direito ao trabalho e à educação e denunciava os casamentos forçados.
Viveu também essa situação e tornou-se conhecida por escrever sobre o seu casamento e a luta pelo divórcio.


Mangal tinha apenas 14 anos quando foi prometida em casamento. O noivado foi muito atribulado e os pais da jornalista chegaram a receber ameaças que ele a mataria se não cumprissem a promessa. Poucos dia antes do casamento, parentes do noivo levaram Mangal à força, espancaram-na e torturaram-na.
A jornalista, que conseguira o divórcio no início deste mês, tinha recebido ameaças de morte e ninguém a protegeu…
Caiu assassinada, ali numa praça, em pleno dia.
Uma das suas colegas no Parlamento afirmou que a morte é mais um entre os muitos ataques às mulheres nas ruas de Cabul. Muitas foram raptadas, violentadas e queimadas nos últimos meses.
Estas são algumas das vítimas que conhecemos, mas muitas, muitas mais, são aquelas que vivem esse drama, anónimas, em Cabul, ou noutra capital qualquer.
Infelizmente, são já vistas quase como uma normalidade do dia-a-dia de países de terceiro mundo.
E, se o permitimos, somos todos de um terceiro mundo, ou de um mundo ainda muito mais baixo que isso…


Artigo publicado no site BOM DIA
no meu: CANTINHO DA CAROLINA

2 de maio de 2019

VOZ DA LIBERDADE

Nenhuma descrição de foto disponível.

25 de Abril será sempre o dia da Liberdade, e é importante que estes dias históricos sejam sempre lembrados.
Assim, desta feita, a Chiado reuniu poemas para ‘cantarmos’ esta data.
Esta foi a minha ‘canção’:

Voz da Liberdade
Vamos falar de Liberdade
‘Terra da fraternidade’
Hoje podemos falar, podemos escrever
...Mas, nem sempre foi assim...
Era eu pequena, alguém lutou por essa voz
Soldados, poetas, heróis
‘O povo é quem mais ordena’!
Nunca esquecerei aquele dia
No recreio da escola vi-os passar
‘Dentro de ti ó cidade’
Saí para a rua também!
Carros de guerra que eram de paz,
Armas disparavam flores, choviam cravos...
Os militares desfilavam na estrada,
‘Em cada esquina um amigo’,
Nunca tinha visto festa assim
‘Em cada rosto a igualdade’
A multidão abraçava os seus guerreiros
Só mais tarde percebi a alegria
‘Dentro de ti ó cidade’
Só mais tarde entendi os hinos que cantei
Letras disfarçadas, medo da tinta azul
Finalmente cantadas numa voz aberta
‘Que já não sabia a idade’
Como quem abre uma gaiola,
Parte as grades da prisão, e voa!
O rádio secreto acabou por se calar
O país todo já cantava a verdade
E eu ‘jurei ter por companheira’
Esta canção da liberdade!

22 de abril de 2019

NOTRE DAME, NOTRE DANTE


“E a catedral não era só companhia para ele, era o universo; Mais ainda, era a própria Natureza; Nunca sonhava que houvesse outras sebes que os vitrais em perpétua flor; Outra sombra que a da folhagem de pedra sempre brotando, carregada de pássaros nos bosques de capitais saxões; Outras montanhas do que as colossais torres da igreja; Ou outros oceanos do que Paris rugindo aos seus pés”

Este texto foi escrito por Victor Hugo, em 1831.
Faz parte de um romance seu, e falava sobre o corcunda de Notre Dame, supostamente um dos escultores da Catedral, em quem se inspirou para criar Quasímodo, personagem que todos conhecemos de filmes ou da animação.
Mas hoje, muitos são aqueles que se sentem como aquele pobre homem, para quem o monumento era um mundo, um universo, na sua arquitectura, na sua história, nos mistérios que já guardou…
A construção da catedral foi iniciada em 1163 na Île de la Cité, ilha onde a cidade de Paris foi fundada em 52 a.C.
Como em muitas outras situações, o local já contava com um sólido historial relativo ao culto religioso. Os celtas teriam aqui celebrado as suas cerimónias e, mais tarde, os romanos hasteariam um templo de devoção ao deus Júpiter. Também neste local existiria uma das primeiras igrejas do cristianismo e de Paris, a Basílica de Saint-Étienne.
A primeira pedra da catedral ‘Nossa Senhora de Paris’, como se costuma traduzir, foi colocada em 1163 durante o reinado de Luís VII, pois Paris medieval crescia em importância e em população, e tornava-se o centro político e económico do reino francês. Era preciso criar obras magníficas!
O processo de construção da catedral de Paris durou quase dois séculos com a intervenção de muitos arquitectos.


Mas, após a Revolução Francesa, Notre Dame ficou arrasada e deixada ao esquecimento. Não restou qualquer vitral nas janelas e várias esculturas foram destruídas. Deve-se a Victor Hugo mais esse reconhecimento, pois foi ele que lançou a campanha para que se restaurasse este património.
A tarefa coube ao arquitecto Viollet-le-Duc que, muito criticado na época pela sua visão romântica da Idade Média, acabou por conseguir recuperar o prestígio e o esplendor da Catedral.
Notre Dame foi agora palco de um cenário Dantesco.
Mas não foi a primeira vez…
Mesmo à sua frente, na Praça Paris, foram executados os últimos Templários franceses, queimados vivos na fogueira. A ordem veio do rei Filipe IV que, com grandes dividas aos Cavaleiros, decidiu persegui-los, acusando-os de heresia, bruxaria, e outros cultos ao demónio. Teve a ajudá-lo o Papa Clemente V.
Setecentos anos depois, estaremos a viver uma retaliação do passado?
Foi também palco de outros acontecimentos menos dramáticos, e até burlescos, como a coroação de Napoleão. Este, que queria demonstrar que o seu poder era superior ao da Igreja, recusou-se a ser coroado pelo Papa, coroando-se a si próprio e a Josephine, Imperadores de França. Consta que Pio VII não contava com isto e acabou por não abençoar a cerimónia.
Conta-se também que, na Idade Média, mesmo no interior da catedral, era celebrado um ritual com jumentos. Todos os dias 26 de dezembro, um homem disfarçava-se de bispo e montava um burro, cavalgando pelo interior do monumento, enquanto centenas de pessoas, mascaradas, cantavam e dançavam ao seu lado.
Foi também palco da Beatificação de Joana d’Arc. Mais um pedido de desculpa do Vaticano, por ter morto esta mulher, corajosa heroína, queimada na fogueira.
Tantas mortes nas chamas, ordenadas pela Igreja, fazem-nos pensar num castigo quase divino…
Até a imagem que vimos arder, a planta em cruz, vista dos céus.
Católicos ou não, dói-nos a alma ver Notre Dame naquela punição.
Relíquias que ali se guardam, manuscritos medievais, pinturas, esculturas… Perdidos para sempre?
O comandante dos bombeiros de Paris assegura que as obras mais preciosas ali guardadas foram retiradas a tempo, e sossegamos um pouco.


Mas não muito. Afinal toda Catedral é uma obra preciosa:
A arquitectura gótica, caracterizada pelos seus longos arcos pontiagudos, para ‘os cristãos se sentirem mais próximos de Deus’ resulta numa nave principal com 33 metros de altura e com capacidade para 9 mil pessoas.
A fachada, os portões.


A grande rosácea localizada na fachada norte, que mede 13 metros de diâmetro e representa 80 imagens do Antigo Testamento, dispostas em torno da imagem central da virgem.
No extremo oposto, outra rosácea com a imagem do Cristo do Apocalipse, que foi acrescentada por Viollet-le-Duc durante a restauração.
Na parte central da catedral, uma enorme torre adornada na ponta por um galo, símbolo do país dos gauleses.
Os enormes arcos do edifício principal terminavam com um impressionante telhado de madeira, uma cobertura peculiar feita com mais de 1.300 madeiras de castanheiros, ou seja, cerca de 24 hectares
de floresta que, certamente, não eram resistentes ao fogo.
As tão peculiares gárgulas…



Representando animais fantásticos ou monstros, são consideradas símbolos da Notre Dame. Mais que uma decoração enigmática, elas foram pensadas como forma de proteger as paredes do escoamento da água das chuvas.
A mais famosa delas, a gárgula ‘Stryge’, fica no topo da catedral, e observa Paris com a cabeça apoiada nas mãos.
Diz-se que a Catedral possuía um sistema de alerta de incêndio, com detectores de fumo conectados a um painel electrónico, e agentes especializados no combate ao fogo.
Então porque nada disto funcionou?
…Tudo soa a mistério ou a ironia do destino.
Até a lenda da ‘Porta do Diabo’…


Quando os clérigos da altura encomendaram o trabalho de ferraria dos portões da catedral a um artista artesão, estavam longe de imaginar a lenda que daí viria. Biscornet foi o escolhido para fazer a fechadura e a decoração em ferro forjado da porta de Santa Ana.
Perante a grande dificuldade da obra, que era colossal e superior às capacidades de qualquer ferreiro ou serralheiro, conta a lenda que este jovem invocou o Diabo, pedindo a sua ajuda em troca da sua alma. Quando finalizou o trabalho, foi muito elogiado e promovido a mestre no ramo. Porém, pouco depois, foi encontrado morto na sua cama em estranhas condições.
Ou desapareceu. Os relatos são contraditórios…
Seja como for, até hoje os especialistas não conseguem explicar como Biscornet conseguiu fazer um trabalho tão primoroso, até porque era considerado um pouco preguiçoso.
Será que estas portas se abriram agora ao inferno de Dante?
Diz a sabedoria popular que mãos ociosas são o instrumento do Diabo. Talvez se baseasse nessa crença esta lenda e, quem sabe, este incêndio também…
E não é a única lenda ligada a Notre Dame.
Em frente desta catedral, na Praça Paris, situa-se o marco zero da cidade.


É como que um ponto de referência para calcular a distância entre Paris e as demais cidades francesas. Se quiser voltar a Paris, diz a lenda que deve pisar no marco zero.
Pensamos em mais uma ironia, pois ao ponto zero parece estar condenada a voltar esta obra, que tanto tem de gigantesca como de… Dantesca.
E se comecei este texto recorrendo a Victor Hugo, é com ele também que termino, pois, como já escrevi, seja-se religioso ou não, observamos Notre Dame a arder e ‘rezamos’ para que aquele inferno termine, que não mate a arte, a cultura, a História de todos nós…

‘Certos pensamentos são como orações, há momentos em que, seja qual for a posição do corpo, a alma está, sempre, de joelhos.’

Artigo para o site 'BOM DIA'

17 de fevereiro de 2019

TRÊS QUARTOS DE UM AMOR

Mais uma iniciativa da Chiado, na qual participei:
 
Escrever uma Carta de Amor.

 
 
 

 
Carta de amor que a ‘Terra’ escreveu ao ‘sol’ e à sua ‘lua’, num dia de ‘nevoeiro’

Mais um dia de nevoeiro...
Quantos dias já contamos assim?
Quantos mais vou suportar sem vos ver?
Não há um único raio de luz capaz de trespassar esta densa e branca barreira
Estou só, sinto-me só nesta galáxia, escura e infinita
Onde estás, meu sol?
Meu astro-rei que me aquece, que me dá vida e cor?
Só por ti respiro o verde da vida
Só contigo os oceanos vibram de azul, e os rios correm nas minhas veias
Sem o teu abraço desapareceria no caos do universo
Com certeza colidiria com um asteroide, ou me perderia num buraco negro...
Deixaria de respirar, deixaria de ver as pequenas nuvens a passar...
Congelaria.
E tu, minha lua?
Onde está o teu brilho?
Meu pequeno satélite, que será sempre a minha menina
A noite fica tão escura sem ti...
E a minha vida perde todo o seu romance, todo o seu mistério
Como posso inspirar poetas e pintores?
E abrigar as feiticeiras?
Sem ti as marés ficariam tão débeis e tristes
Que vida poderia haver?
Nem os lobos teriam a quem uivar...
Sei que ano após ano tu te afastas um pouco,
mas espero que nunca percas essa atração, esse teu afeto
Nem podes! Giraria como uma tonta se ficasse sem a minha pequena lua!
Perderia o meu eixo
Perderia o meu verão e o meu inverno
Os meus dias ficariam tão curtinhos!
Meus amores, não estranhem esta minha carta
é que nunca confessei a saudade que sinto
quando o nevoeiro me envolve e não vos vejo...
A falta que vocês dois, corpos celestes, me fazem...
Procuro uma magia poderosa para acabar com esta neblina,
com este castigo
Por onde andam os elfos quando preciso deles?!
Esperem...
Parece que a névoa levantou
Uma leve e quente brisa abriu a bruma,
tal qual cortinados esfarrapados!
Já te vejo, meu grande sol,
e já te vejo, minha pequena lua
Agora sim, estou feliz!
As minhas artes mágicas?
Não sei, não me perguntem...
Apenas vos escrevi uma carta de amor!

 

26 de janeiro de 2019

SMS

 
 
 SMS
‘Nem a mais pequena luz veio brilhar para ele.
Procurou por uma vela, uma chama,
mas a escuridão veio reclamar o que ele sempre deu.
Escreveu uma carta ao destino, a pedir mais uma oportunidade.
O destino não respondeu...

Não valia a pena, no dia seguinte ele já não teria morada.’
 
Desta vez, o desafio da Chiado foi algo inédito no nosso país:
Uma micro narrativa, com um máximo de 280 caracteres, pois esse é o formato máximo de uma mensagem Twitter.
O resultado foi uma obra que entra directamente para História da Literatura Portuguesa por ter sido a 1.ª Colectânea de Micro Narrativa Contemporânea.
Esta foi a minha contribuição.
 
Será que quem dedica a sua vida a prejudicar os outros tem um destino mais negro? Fica a questão…
 


12 de janeiro de 2019

MENINA VESTE ROSA??


Quem me conhece um pouco, sabe que eu não ia conseguir ficar sem falar neste assunto

Por terras de Vera Cruz reina a polémica.
Se a eleição de Bolsonaro já lançava contestação, a sua ministra Damares Alves resolveu fazer-lhe um pouco de concorrência e, digamos, que não foi por um bom motivo, também.
Esta senhora, supostamente Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do novo governo, um conjunto de substantivos que não parece representar da melhor forma, veio anunciar que o Brasil entrou numa ‘nova era:
Menino veste azul e menina veste rosa!’ (?????)
Será que alguém lhe pode dizer que isso não é uma ‘nova’ era?
Mas sim a era que… já era?
Que as distinções de género são algo muito ‘velho’, muito ‘antigo’, que queríamos ver extintas e não alimentadas??
A dita senhora veio defender-se que o que pretendia dizer era que ‘defendiam a identidade biológica das crianças’…
Pois.


E qual é a importância da cor da roupa para o desenvolvimento das crianças?
E será que elas não podem ter liberdade de escolher as cores com que se identificam?
Será que aquele menino que veste rosa não tem o direito de deixar de ser ridicularizado na escola?
Somos todos tão diferentes, e tão iguais, um arco-íris de cores maravilhosas, para quê nos reduzirem a apenas duas?


Nem tudo o que é ‘feminino’ é só para meninas, nem tudo o que é ‘masculino’ é só para meninos.
Continua a ser difícil, seja para os pais em casa, seja para os educadores nas escolas, pedir às crianças que pensem fora da ‘caixa’, se depois grande parte do mundo em seu redor, inclusive estes ‘líderes’, insiste em manter os preconceitos, a intolerância, a discriminação.
Pessoalmente tive a felicidade de ter uns pais que não me limitaram as cores, nem os brinquedos, nem a imaginação. Brinquei com bonecas sim, mas também joguei – muito! – à bola, brinquei com carrinhos, joguei ao berlinde…
E tudo isso faz parte, ou devia fazer, do desenvolvimento de cada criança, sem limites impostos à partida.
A ideia de que só as meninas podem gostar de princesas, ou só os meninos podem gostar de carros, ou qualquer outro tipo de imposições de género, podem causar distúrbios, tanto na infância, como na adolescência, e até mesmo já como adultos.
Talvez a dona Damares esteja a esquecer-se que a frase ‘menino veste azul e menina veste rosa’ não é apenas uma frase. É um retrocesso, é uma incomplacência, um desvario sem sentido.


É dela também a frase: ‘Se a gravidez é um problema que dura só nove meses, o aborto é um problema que caminha a vida inteira com a mulher’.
Primeiro a gravidez não deveria ser um ‘problema’, mas sim algo decidido e escolhido pela mulher; segundo: o aborto também.
E ao que chamará a um filho não desejado? A um filho resultante de uma violação, por exemplo?
Qual será o ‘problema’ que esta senhora prefere?
Pelo que já se adivinha, até por algumas insinuações, o direito da mulher decidir vai começar a diminuir naquele país.
E então o ‘problema’ será outro.
Em Portugal o aborto foi legalizado em 2007, pelo que desde essa data que é feito em lugares adequados e seguros, evitando mortes, a esterilidade, e outras consequências que surgiam com frequência.
Infelizmente esta ‘nova era’ no Brasil parece alimentar-se da ignorância histórica e científica, e até mesmo da iliteracia, da população.


Veja-se por exemplo o velho preconceito: ‘Menino veste azul e menina veste rosa’.
Vamos recuar um pouco na História:
No inicio e durante séculos, os corantes para tecidos eram raros e dispendiosos, pelo que as crianças – de ambos os géneros! – usavam vestidos brancos até aos 6 anos de idade.
Foi já no século vinte que os tons pastel começaram a ser associados à roupa infantil, entre eles o rosa e o azul. Mas não havia imposição de norma relativamente ao sexo da criança, como se verifica hoje.
No entanto, – surpreendam-se os masculinistas! – e pelo contrário, existiam revistas de moda conceituadas que aconselhavam o rosa para meninos e o azul para meninas, explicando eles: porque o rosa era mais ‘forte e decidido’ e o azul mais ‘delicado e amável’.


É verdade, muda a palete, mas o machismo é o mesmo!


Seguiu-se a força do poder comercial, e algumas lojas norte americanas dedicaram-se a fazer uma prospecção da ‘cor para menino’ e da ‘cor para menina’. Parece que o suposto estudo foi inconclusivo e três lojas recomendavam rosa para meninos, e outras três, para meninas. Uma última recomendava rosa para ambos, sem distinções.
Parece que o rosa só se estabeleceu de vez como uma cor feminina na década de 1980. Porque, – e espantem-se agora as femininistas! – consta que foi sugerido precisamente no sentido anti-feminilidade do movimento de libertação das mulheres: o uso do cor de rosa seria para contrariar as normas!
Interessante, não?
(Se a Dona Damares descobre!...)


Pelos estudos já realizados, parece não haver preferência por qualquer uma das cores, a nível de género, pelo que posteriormente foi o marketing que impôs essa ‘norma’ já que é maior a eficácia na venda de um produto, quando este é direccionado separadamente para homens e mulheres.
Concluindo, quando aprofundamos um pouco, a discussão não é sobre a existência ou não de diferenças de género, que existem óbviamente, mas sim sobre a obrigatoriedade de aceitar um conjunto de artificialidades socialmente construídas.

A discussão, como sempre, é sobre defendermos a sociedade que queremos.




Artigo que publiquei no meu Cantinho:
 

 

 

 

1 de janeiro de 2019

ABÓBORAS !



As abóboras têm algo de poético, mas assim no sentido inverso…

Não é à toa que foi escolhida uma abóbora para se transformar em carruagem da Cinderela.

Não é à toa que são as ‘caras’ assustadoras e ao mesmo tempo divertidas, que iluminamos no Halloween.

Elas têm qualquer coisa de estranho e misterioso…

Lembro-me que a minha mãe me contava também uma história engraçada sobre elas.
 
Falava de um homem que conduzia uma carroça cheia de abóboras.
A cada solavanco que a carroça dava, ele olhava para trás e via que as abóboras estavam todas desarrumadas. Então ele parava, descia da carroça, e colocava-as novamente no lugar.
Mas, mal reiniciava a sua viagem, e dava outro solavanco, tudo se desarrumava novamente.
O homem desanimava e pensava que nunca ia conseguir terminar a sua viagem!

Foi então que passou por ele outra carroça cheia de abóboras.
Reparou que o homem que a dirigia seguia em frente e nem olhava para trás.
As abóboras desarrumavam- se, mas organizavam-se sozinhas no solavanco seguinte.

Compreendeu que, se dirigisse a carroça na direcção para onde queria chegar, os próprios solavancos da carroça acabariam por fazer com que as abóboras se arrumassem nos seus devidos lugares.

E a nossa vida é como esta carroça de abóboras: às vezes parece que nada corre bem e as coisas não se ‘arrumam’.
Desesperamos e queremos parar o caminho cheio de solavancos…
Mas se decidirmos seguir em frente, sejam quais forem os percalços, a nossa vida acaba por 'arrumar-se', naturalmente.

Quando termina um ano e começa outro, fazemos sempre um balanço e por vezes este nem sempre é brilhante, ou pelo menos não tanto quanto queríamos.

Talvez por isso me lembrei das histórias com abóboras, pois um dia elas vão continuar a ser ‘carruagens’, como na história da Cinderela, ou vão se ‘arrumar’, se tivermos a coragem de seguir em frente, com determinação, sem olharmos para trás.

Um feliz ano novo para todos!

Artigo publicado no site Bom Dia: