A vitima foi sequestrada pelo ex-amante, que lhe pedia que retomassem a relação, como esta negou, ele chamou o marido, e este agrediu-a com uma moca de pregos.
O Juiz Neto de Moura, do Tribunal do Porto,
condenou a uma simples pena suspensa o marido, justificando que (e cito):
1 ‘...o adultério da
mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do
homem...’
2 ‘ ... Existem
sociedades em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à
morte.’
3 ‘ Na Bíblia podemos
ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte’.
4 ‘ Ainda não foi há
muito tempo que a lei penal (Codigo Penal de 1886!) punia com uma pena pouco
mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a
matasse.
5 ‘Com estas
referências pretende-se apenas acentuar que o adultério é uma conduta que a
sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as
primeiras a estigmatizar as adúlteras) ... e por isso vê com alguma compreensão
a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela
mulher
6 ‘Foi a deslealdade
e a imoralidade sexual da assistente que fez o arguido... cair em profunda
depressão e foi nesse estado depressivo e toldado pela revolta, que praticou o
acto de agressão, como bem se considerou na sentença
recorrida.’
...Tribunal da Relação do Porto
Foi com alguma incredulidade que muitos leram e
ouviram esta notícia.
Um Juiz, supostamente aquela pessoa em que
colocamos as nossas maiores expectativas para que se faça justiça neste mundo
cheio de imperfeições, justifica um grande acto de violência com desculpas
machistas e supostamente católicas.
1. Obviamente que ninguém defende o adultério, mas
vê-lo como pretexto suficiente para actos violentos, que podem até terminar em
morte, e apenas porque se trata de uma mulher, é completamente inacreditável e
inadmissível. Aliás, porque parece que só o homem tem ‘honra e dignidade’, se o
adultério fosse praticado contra a mulher tais qualidades não estariam em
causa.
2. Realmente existem sim, ‘sociedades em que a
mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte’... Existem sim, para nossa
vergonha, para vergonha da humanidade, que é capaz de criar leis com tamanhas
atrocidades... E tais leis não deviam ser apregoadas, deviam ser, sim, alteradas
e esquecidas, e não usadas para justificar o que não tem desculpa. Talvez
devêssemos perguntar a esse Sr Neto, pois não o posso chamar de Juiz, se era
assim que gostaria de ver tratada a sua mãe, a sua mulher, ou a sua filha, caso
não não venham a ser ‘os anjos perfeitos’ que defende??!
Será que também defende a mutilação genital
feminina?... É que também existe noutras sociedades...
3. Sim, ‘na Bíblia podemos ler que
a mulher adúltera deve ser punida com a morte’, sim, e podemos ler que pais
assassinaram os seus filhos, filhas a serem oferecidas para serem violadas,
podemos sim, e infelizmente, ler muita coisa... Mas será que esse senhor ainda
não percebeu que não será propriamente a Bíblia que rege um Tribunal?! Que não
será propriamente na Bíblia que deve assentar as suas decisões?! Será que ele conhece a Constituição?! Ou se calhar na
altura em que devia estar a estudar Direito, estava a ler o Jornal das Moças, de
1957, onde se dizia que ‘a mulher não deve irritar o homem com ciúmes e
duvidas’? Ou talvez estivesse maravilhado com as páginas da Revista Cláudia, de
1962, que aconselhava que ‘se a mulher desconfiar da infidelidade do seu marido,
deve redobrar o seu carinho e afecto’?! Bons velhos tempos, não?!
4. Ah, não, esperem, ele
cita Código Penal de 1886, parece que afinal sempre leu alguma coisa fora da
Bíblia, é pena é que já tenha mais de um século e essa lei considere que matar a
mulher é até ‘quase aceitável’!...
5. Sim, a sociedade
sempre condenou o adultério – o feminino, leia-se, porque se um homem estender a
sua ‘honra e dignidade’ para fora do lar, é até elogiado! – como sempre condenou
o roubo, o homicídio, a corrupção, e outro sem numero de pecados, mas isso não
justifica que podemos pegar numa marreta e fazer a nossa própria justiça, por
muito até que essa vontade nos assolasse o espírito, e por motivos bem mais
válidos que vaidades machistas.
A honestidade vai bem
para além da fidelidade. Uma mulher que finge a vida toda amor e prazer com o
homem que tem ao lado, sem nunca arriscar pela sua felicidade, não me parece ser
mais honesta que esta...
6. Por fim, desculpar o acto de pegar numa moca de
pregos porque, coitado, ficou deprimido, e assim, nesse estado ‘depressivo e
toldado pela revolta’ pegou na primeira coisa que lhe veio à mão e pronto!
Mas a sua depressão não lhe ‘toldou’ a
capacidade de combinar o ataque junto com o amante da mulher, nem de usar uma
arma daquelas. Sim, até porque não é um objecto que qualquer
comum mortal tem na malita... Deixem-me ver o que tenho aqui na bolsa: carteira,
chaves de casa, chaves do carro, baton, moca de pregos,... ??
Algumas associações de mulheres já apresentaram queixa, e não
deviam ser só estas, pois este tipo de sentença, ou falta dela, prejudica toda a
sociedade. Abre precedentes para o uso da violência seja ela de que tipo for, e
a nível da violência doméstica pior ainda, ou não bastasse o numero de vitimas
de que ouvimos falar todo o ano.
Este Juiz tem concentrado todas as criticas, mas
talvez fosse bom lembrar que a Juíza Luísa Arantes também assinou o tal acórdão,
o que é de lamentar pois, sendo mulher, não devia seguir as justificações
discriminatórias e machistas deste homem. Enfim, esperávamos mais de uma
mulher,... talvez que se ‘levantasse’ e defendesse o seu género?!
Mas continuando no mesmo ‘Juiz’, parece que este
senhor tem já um historial do seu ‘bom’ trabalho a proteger agressores
traídos.
Em 2013, num caso em que um homem agrediu uma
mulher com um murro, precisamente na altura em que esta tinha até um bebé de 9
dias ao colo, ele considerou que ‘não tinha gravidade’ suficiente.
Em 2016 atribuiu pena suspensa a outro homem,
condenado por violência doméstica, defendendo que a vitima não seria fiável,
visto que cometera adultério...
Escreveu, e cito: “Uma mulher que
comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil,
imoral. Enfim, carece de probidade moral”
E parece que nem as crianças escapam... Fontes
de informação referem que o mesmo ‘Juiz’ desculpou até as agressões de um pai a
uma criança de 4 anos, defendendo que as bofetadas e pontapés que este recebia
estavam, e cito: “no limite
do exercício do poder de correcção”.
Gostaríamos com certeza de ouvir a Associação Sindical dos Juízes
Portugueses, e o Conselho Superior de Magistratura.
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