Quem me conhece
um pouco, sabe que eu não ia conseguir ficar sem falar neste assunto
Por terras de Vera
Cruz reina a polémica.
Se a eleição de Bolsonaro já lançava contestação, a
sua ministra Damares Alves resolveu fazer-lhe um pouco de concorrência e,
digamos, que não foi por um bom motivo, também.
Esta senhora, supostamente
Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do novo governo, um conjunto de
substantivos que não parece representar da melhor forma, veio anunciar que o
Brasil entrou numa ‘nova era:
Menino veste azul e menina veste rosa!’
(?????)
Será que alguém lhe pode dizer que isso não é uma ‘nova’ era?
Mas
sim a era que… já era?
Que as distinções de género são algo muito ‘velho’,
muito ‘antigo’, que queríamos ver extintas e não alimentadas??
A dita senhora
veio defender-se que o que pretendia dizer era que ‘defendiam a identidade
biológica das crianças’…
Pois.
E qual é a importância da cor da roupa para
o desenvolvimento das crianças?
E será que elas não podem ter liberdade de
escolher as cores com que se identificam?
Será que aquele menino que veste
rosa não tem o direito de deixar de ser ridicularizado na escola?
Somos todos
tão diferentes, e tão iguais, um arco-íris de cores maravilhosas, para quê nos
reduzirem a apenas duas?
Nem tudo o que é ‘feminino’ é só para meninas, nem
tudo o que é ‘masculino’ é só para meninos.
Continua a ser difícil, seja para
os pais em casa, seja para os educadores nas escolas, pedir às crianças que
pensem fora da ‘caixa’, se depois grande parte do mundo em seu redor, inclusive
estes ‘líderes’, insiste em manter os preconceitos, a intolerância, a
discriminação.
Pessoalmente tive a felicidade de ter uns pais que não me
limitaram as cores, nem os brinquedos, nem a imaginação. Brinquei com bonecas
sim, mas também joguei – muito! – à bola, brinquei com carrinhos, joguei ao
berlinde…
E tudo isso faz parte, ou devia fazer, do desenvolvimento de cada
criança, sem limites impostos à partida.
A ideia de que só as meninas podem
gostar de princesas, ou só os meninos podem gostar de carros, ou qualquer outro
tipo de imposições de género, podem causar distúrbios, tanto na infância, como
na adolescência, e até mesmo já como adultos.
Talvez a dona Damares esteja a
esquecer-se que a frase ‘menino veste azul e menina veste rosa’ não é apenas uma
frase. É um retrocesso, é uma incomplacência, um desvario sem sentido.
É dela
também a frase: ‘Se a gravidez é um problema que dura só nove meses, o aborto é
um problema que caminha a vida inteira com a mulher’.
Primeiro a gravidez não
deveria ser um ‘problema’, mas sim algo decidido e escolhido pela mulher;
segundo: o aborto também.
E ao que chamará a um filho não desejado? A um
filho resultante de uma violação, por exemplo?
Qual será o ‘problema’ que
esta senhora prefere?
Pelo que já se adivinha, até por algumas insinuações, o
direito da mulher decidir vai começar a diminuir naquele país.
E então o
‘problema’ será outro.
Em Portugal o aborto foi legalizado em 2007, pelo que
desde essa data que é feito em lugares adequados e seguros, evitando mortes, a
esterilidade, e outras consequências que surgiam com frequência.
Infelizmente
esta ‘nova era’ no Brasil parece alimentar-se da ignorância histórica e
científica, e até mesmo da iliteracia, da população.
Veja-se por exemplo o velho
preconceito: ‘Menino veste azul e menina veste rosa’.
Vamos recuar um pouco
na História:
No inicio e durante séculos, os corantes para tecidos eram raros
e dispendiosos, pelo que as crianças – de ambos os géneros! – usavam vestidos
brancos até aos 6 anos de idade.
Foi já no século vinte que os tons pastel
começaram a ser associados à roupa infantil, entre eles o rosa e o azul. Mas não
havia imposição de norma relativamente ao sexo da criança, como se verifica
hoje.
No entanto, – surpreendam-se os masculinistas! – e pelo contrário,
existiam revistas de moda conceituadas que aconselhavam o rosa para meninos e o
azul para meninas, explicando eles: porque o rosa era mais ‘forte e decidido’ e
o azul mais ‘delicado e amável’.
É verdade, muda a palete, mas o machismo é o
mesmo!
Seguiu-se a força do poder comercial, e algumas lojas norte americanas
dedicaram-se a fazer uma prospecção da ‘cor para menino’ e da ‘cor para menina’.
Parece que o suposto estudo foi inconclusivo e três lojas recomendavam rosa para
meninos, e outras três, para meninas. Uma última recomendava rosa para ambos,
sem distinções.
Parece que o rosa só se estabeleceu de vez como uma cor
feminina na década de 1980. Porque, – e espantem-se agora as femininistas! –
consta que foi sugerido precisamente no sentido anti-feminilidade do movimento
de libertação das mulheres: o uso do cor de rosa seria para contrariar as
normas!
Interessante, não?
(Se a Dona Damares descobre!...)
Pelos
estudos já realizados, parece não haver preferência por qualquer uma das cores,
a nível de género, pelo que posteriormente foi o marketing que impôs essa
‘norma’ já que é maior a eficácia na venda de um produto, quando este é
direccionado separadamente para homens e mulheres.
Concluindo, quando
aprofundamos um pouco, a discussão não é sobre a existência ou não de diferenças
de género, que existem óbviamente, mas sim sobre a obrigatoriedade de aceitar um
conjunto de artificialidades socialmente construídas.
A discussão, como
sempre, é sobre defendermos a sociedade que queremos.
Artigo que publiquei no meu Cantinho: