2 de fevereiro de 2020

DE FRIDA PARA DIEGO

Desta feita a minha participação nesta colectânea é inspirada em Frida Kahlo.
Esta pintora mexicana teve uma vida complicada, tanto a nível físico como sentimental. 
No entanto, foi um acidente que lhe destruiu o corpo todo, que a despertou para a pintura. 
Hoje é considerada um ícone da cultura popular do México e até do feminismo.

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"De Frida para Diego

Arranco mais uma folha, deste meu diário,
e escrevo para ti.
Ou devia pintar uma tela? …Ou mesmo um mural?
Sim, se o amor fosse uma arte, para ti seria um mural.
Mas não posso sair desta clausura...
A Casa Azul é o meu mundo, o meu abrigo, a minha tela e a minha cela.
Tela mexicana que preencho de cor, a única cor que a minha existência permite.
Sabes que não pinto sonhos, nem pesadelos.
Pinto espartilhos, prisões, sobrancelhas grossas, expressões, corpos que flutuam na banheira...
Quem me chama de Surrealista não conhece a minha realidade…
Dores, desmanchos, desilusões. E mais dores, e desmanchos, e desilusões...
Ressentimento.
Trajo vestidos de veludo que não amaciam a minha vida.
Tecido ilusório, hipócrita, dissimulado.
Não caminho, não sinto o chão,
…‘mas para que preciso de pés, se tenho asas para voar’...?
Gostava de acreditar...
Mas não.
Sento-me à mesa com monstros e esqueletos.
Carrego espinhos ao pescoço e borboletas no penteado...
A marimba toca como se alegrasse o meu leito. Sonho.
Mas acordo e o meu corpo carrega em si todas as feridas, todas as chagas do mundo.
Acidentes que nos partem, o corpo e a alma.
Sem esperança.
Dizem que transformo em arte um corpo quebrado...
Paris acolheu a minha imagem, o meu rosto sem sorriso, as minhas flores.
Se pinto a mim mesma é porque sou sozinha.
Porque me deixas só. Porque pintas tantas outras...
No entanto, guardei para ti o mural da minha vida.
Nem Picasso, nem Kandinsky.
Apenas para ti.
Pois só tu adias o momento da partida.
Sentirias a minha falta?
A minha vaidade acredita que sim...
Mas, tanto vives em cubos, com a simplicidade de quem vive com indígenas,
como pensas, arrogante, que podes controlar o Universo!
Como ousas cantar Neruda e dizer que Deus não existe?...
Talvez.
Para mim certamente que não.
Perdi tanto.
Agora, espero alegre a minha partida e não quero voltar nunca mais…"


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